Crônica do Garoto de Recados...

Sou um garoto de recados

Você conhece o tipo. Sou daquele que nunca diz diretamente o que sinto por você. Os meus olhos transmitem desejo, os meus braços a seguram com firmeza, mas verbo, que é bom, não rola. Será que eu nunca vou me abrir, nunca vou falar? Cara, eu deixo um monte de pistas, você que não se dá conta.

Tem gente que, por não ter nascido com o dom da oratória e muito menos com vocação pra poeta, pede palavras emprestadas para dizer o que sente. Emprestadas de onde? Das músicas que gosto. Dos livros que dou de presente. Dos filmes que vivo comentando. Está tudo ali, você que não presta atenção.

O que eu sinto está na página 27 daquele livro que eu fiz questão que você lesse. E adivinhe por que fiz questão de levar você para ver aquele filme francês que eu já vi sozinho duas vezes. Adivinhe. Eu estou inteiro naquela cena do casal dentro do metrô. É tudo o que eu gostaria de falar pra você, mas digo assim, através de terceiros.

O meu MSN e meu Orkut vêm cheios de citações, eu vivo cantarolando sempre a mesma música, até a camiseta que eu visto tem uma frase em inglês que você tem preguiça de traduzir. Traduza. Eu estou falando com você.
Sou plagiador confesso. Preste atenção na letra, no refrão, na música que eu coloco pra tocar, estou mandando um recado. Os cineastas, os poetas, os malucos, todos os homens apaixonados do planeta falam por mim, e você não escuta.

Eu quero que você leia os olhos, as mãos, os lábios. Eu não vou optar pelo chavão, pela trivialidade daquele "eu te amo" que você aguarda com impaciência. O meu idioma é outro. Eu silencio para que falem por mim. Atenção para aquele momento em que eu aumentei o som, interesse-se pelo trecho que eu sempre releio em voz alta, tente captar os versos que eu sei de cor, mas que não são de autoria minha - mas ao mesmo tempo são.

Antene-se nos recados, em todas as palavras em que você tropeça e que foram largadas por mim bem no seu caminho, bem por onde você passa. Há mil maneiras de se fazer uma declaração. Eu faço por recados...

(Adaptado da crônica “Garotos de recado”, de Martha Medeiros)

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