Crônica do Garoto Sozinho...

Oi, me chame como quiser, me chame como bem entender, já que não terá grande importância mesmo, depois que eu me for. Eu sou aquele cara, que passa e ninguém vê, sou aquele que chora sem ter o por que de ser. Eu sou aquele que você sempre buscou. Sempre sonhou. Sou só mais um cara ali parado diante daquela mesma escada que você sempre sobe. Sou o mesmo que sorri ao ouvir uma musica nos fones de ouvido, mas que sempre escuta você perguntar a um amigo: ‘quem é?’.

Eu sou talvez a visão que você sempre sonhou. Sou aquele que pode ser quem você quiser. Sou às vezes falso e me odeio por isso. Sou às vezes eu mesmo e você se assusta com isso. Sou só aquele cara que te ouve chorar e que sempre tem o que dizer pra te fazer sorrir. Sou aquele que passa e você finge não ver. Sou aquele que o destino esquece e até brinca de vez em quando.

Sou a sombra de nevoa trêmula e esvaecida. Sou aquele que o destino amargo impele brutalmente para a morte. Sou aquele que sabe com exatidão como fazer para te conquistar, mas prefere optar pelo novo só pra ver se você é realmente diferente. O triste é que nunca é diferente. Sou aquele que te conhece bem e mesmo assim não consegue te fazer ficar. Sou apenas a alma de luto sempre incompreendido.

Sou aquele que no mundo se sente perdido. Sou o irmão da sombra e vizinho da sorte. Sou o que sempre recebe substituição de namorada e que nunca passa muito tempo com elas. Sou o crucificado. Sou o inerte e assim dolorido. Sou aquele que se senta a meia noite na mesa de bilhar tendo ao lado apenas um copo de vodca e aquela mesma música que sempre ponho para me lembrar do porque de você ter ido embora. Sou o que nunca chega a conclusão alguma.

Sou aquele que tem milhares de amigas e nenhuma namorada. Sou aquele que dorme nas calçadas. Que visita todo mundo e dorme fora. Sou o que pulava a janela só pra te ver. Sou o que é arrastado pelo vento e liberto pela sorte. Sou aquele que os pais adoram odiar e que as filhas odeiam amar. Sou aquele que se apresenta por ultimo. Sou aquele que lê livros mofados e que compra revistas velhas. Sou um apreciador do mundo antigo. Sou um mero guardinha, observando eternamente a história, ano apos ano. Um mero soldado cansado de guerra. Sou aquele que você achou perfeito o meu nome.

...sou aquele que você sempre buscou, mas que nunca na vida me encontrou.

- Kim Sousa – Jun – 15 – 2008

Baseado no poema Eu de Florbela Espanca.

Crônica do Garoto de Recados...

Sou um garoto de recados

Você conhece o tipo. Sou daquele que nunca diz diretamente o que sinto por você. Os meus olhos transmitem desejo, os meus braços a seguram com firmeza, mas verbo, que é bom, não rola. Será que eu nunca vou me abrir, nunca vou falar? Cara, eu deixo um monte de pistas, você que não se dá conta.

Tem gente que, por não ter nascido com o dom da oratória e muito menos com vocação pra poeta, pede palavras emprestadas para dizer o que sente. Emprestadas de onde? Das músicas que gosto. Dos livros que dou de presente. Dos filmes que vivo comentando. Está tudo ali, você que não presta atenção.

O que eu sinto está na página 27 daquele livro que eu fiz questão que você lesse. E adivinhe por que fiz questão de levar você para ver aquele filme francês que eu já vi sozinho duas vezes. Adivinhe. Eu estou inteiro naquela cena do casal dentro do metrô. É tudo o que eu gostaria de falar pra você, mas digo assim, através de terceiros.

O meu MSN e meu Orkut vêm cheios de citações, eu vivo cantarolando sempre a mesma música, até a camiseta que eu visto tem uma frase em inglês que você tem preguiça de traduzir. Traduza. Eu estou falando com você.
Sou plagiador confesso. Preste atenção na letra, no refrão, na música que eu coloco pra tocar, estou mandando um recado. Os cineastas, os poetas, os malucos, todos os homens apaixonados do planeta falam por mim, e você não escuta.

Eu quero que você leia os olhos, as mãos, os lábios. Eu não vou optar pelo chavão, pela trivialidade daquele "eu te amo" que você aguarda com impaciência. O meu idioma é outro. Eu silencio para que falem por mim. Atenção para aquele momento em que eu aumentei o som, interesse-se pelo trecho que eu sempre releio em voz alta, tente captar os versos que eu sei de cor, mas que não são de autoria minha - mas ao mesmo tempo são.

Antene-se nos recados, em todas as palavras em que você tropeça e que foram largadas por mim bem no seu caminho, bem por onde você passa. Há mil maneiras de se fazer uma declaração. Eu faço por recados...

(Adaptado da crônica “Garotos de recado”, de Martha Medeiros)

Clarice e eu mesmo...


"Eu nunca fui uma moça bem-comportada. Afinal, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem beijos quentes ou pro amor mal resolvido sem soluços. Eu quero da vida o que ela tem de cru e de bonito. Não estou aqui pra que gostem de mim. Estou aqui pra aprender a gostar de cada detalhe que tenho. E pra seduzir somente o que me acrescenta. Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que as vezes me cansa. Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes... Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.

Você pode até me empurrar de um penhasco q eu vou dizer: - E daí? eu adoro VOAR!

Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre.

O escondido pra mim é bem melhor, e o perigoso é divertido. Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo. Também sei chorar toda encolhida abraçando as pernas. Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, voracidade e falta de ar... Eu acredito é em suspiros, mãos massageando as costas, o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem paz pra minha vida. Acredito em coisas sinceramente compartilhadas. Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo. Eu acredito em profundidades. E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos.
São eles que me dão a dimensão do que sou."


clarice lispector

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